quarta-feira, 18 de maio de 2011

A mão esquerda e a mão direita do Estado

Numa entrevista para o Le Monde, P. Bourdieu discute aquilo que ele chama a mão esquerda e a mão direita do estado, a primeira, refere-se às funções sociais do estado, do cuidado, do conforto e do bem-estar, a educação, os cuidados de saúde, a segurança social e pensões de um lado, pelo que à direita diz respeito, o orçamento de estado, as finanças e os impostos, a economia, a justiça e as forças armadas. À mão esquerda, tida como despesista, diz respeito o legado das lutas sociais do passado, e que como consequência nos trouxe a qualidade e nível de vida que hoje é comumente considerado no seio do continente europeu. Esta meditação desenvolve-se em redor da problemática do sofrimento, tema base de “A Miséria do Mundo”, outra obra sua. Para a base dos fenómenos em questão, confrontos e desacatos contastes nas escolas e subúrbios, alcoolismo e toxicodependência, desemprego de longa duração, depressão, entre outas, refere como principal responsável o progressivo recuo do papel do Estado em esferas que até há pouco tempo lhe incumbiam e que tinha a seu cargo, a habitação como bem público, assim como a rádio, a televisão, a escola e os hospitais públicos. Não suficiente, o governo socialista à época em França, liquidava a herança do estado-providência e simultaneamente difundia valores do interesse privado e individual. Perante esta situação é levado a defender uma maior envolvência dos intelectuais em todos os domínios da vida pública e em especial com a política, no sentido em que a discussão da política é a discussão da coisa pública, e que com os reiterados ataques de que tem sido alvo, ameaça extinguir o seu valor simbólico e deixar-se então desapossar do seu valor material, as condições de vida que o welfare state mostrou serem possíveis aos cidadãos da Europa, e destacadamente, franceses e britânicos. Os mass media assumem um papel importante em conjunto com os “especialistas” neste desmantelamento, pois são eles que difundem a cultura do ego e troçam dos valores que serviam de base aos actos e contribuições do estado. A crise social vivida é hoje senão um conflito entre herança social passada e presente. A mão direita não quer saber do que faz a mão esquerda do Estado, e em todo o caso, já não está disposta a pagar o preço correspondente.

sábado, 15 de janeiro de 2011

TRON, um legado


Longe estamos do outrora sonhado universo de Steven Lisberger, senhor a quem podemos atribuir a autoria do primeiro filme TRON (1982). A computação era então uma fantasia obscura distante de muitos e o Santo Graal para os mais ingénuos físicos. Estávamos no início dos anos 80 e esperava-se que a cada ano o poder do computador ultrapassasse à razão do dobro, tudo o que a sua história conseguira até então. Os mistérios que esta nova realidade escondiam sob minúsculos circuitos, e as imensas operações matemáticas que se davam em fracções de segundo, atiçavam o imaginário para uma nova geração que cresceu ao lado destes novos aparelhos, e que pareciam de tudo ser capazes.
TRON era um revolucionário videojogo disponível através dos míticos salões de jogos, Kevin Flynn proprietário de um e criador do jogo. Trabalhava numa empresa que operava na vanguarda da técnica, a ENCOM, e cujo Vice-Presidente Ed Dillinger reivindicava a autoria do sucesso do jogo. Flynn, consciente da fraude decide invadir os computadores da empresa como forma de recolher evidências da mentira de Dillinger, mas heis que este já tem criado um Master Control Program (MCP) responsável pela autoridade nos servidores (computadores da empresa). Flynn consegue ser digitalizado e entrar neste mundo idílico da tecnocracia, domina a ordem e os pressupostos de racionalidade para uma sociedade utópica à luz dos fundamentos da computação (uma sociedade de ordem matemática). Aqui, toda a entidade tem uma função, muito especializada, já que ela não é mais do que um código a ser executado pelo processador com a vista a uma tarefa específica. Este mundo aparece-nos em jeito de fábula, os programas são indivíduos de luz com fisiologia humana (à imagem dos seus criadores), e o computador todo um mundo com metrópole e serviços básicos.

Este parece-me ser o centro do universo TRON, uma analogia às tentativas de transmutar a ordem de carácter científico e o rigor matemático para toda uma realidade errática como a nossa e onde todos parecem querem impor-nos um significado. Tron, um programa criado por Alan Bradley, colega de Flynn, para monitorizar o MCP, encontra Flynn mergulhado no sistema e juntos personificam uma frente de combate às barreiras da exactidão, do racionalismo, da lógica inflexível da matemática e do propósito, quer seja dos programas como de todo o sistema em si. O criador de videojogos busca em Tron a ajuda para sair da realidade em que se encontra prezo. Isto cria um precedente no mundo virtual em que duas entidades presentes no sistema, se mantém animadas sem qualquer propósito além da sua mera existência. As regras do sistema são quebradas e o MCP dirige os esforços de toda a máquina virtual para travar estes dois parasitas que sem razão de ser, contribuem apenas para perda de eficiência de um sistema na execução das suas funções normais.

A trama continua no novo filme de 2010 TRON, o Legado. Aqui Flynn é encontrado pelo filho, refém novamente num mundo virtual, este novo chamado de Rede (GRID). Na ambição de criar uma nova realidade virtual capaz de alterar a relação entre os seres humanos e a cibernética, incorre na obsessão pela perfeição, criando um programa naquele mundo digital à sua imagem, o Codified Likeness Utility (CLU). Flynn (com a experiência da vida?) apercebe-se que é o livre arbítrio, o comportamento errático e este vazio de significado que atribui significação à nossa existência ou pelo menos àquilo que é ser humano, ao passo que criar um mundo virtualmente antitético em relação a esta concepção seria mais uma forma de acentuar as assimetrias entre as duas realidades e conduzindo portanto ao afastamento entre as duas.

Entretanto, lembrando-nos que um mundo virtual na prática existe dentro de uma máquina, pois está presente na nossa realidade, segregado num conjunto de regras matemáticas que o isolam em termos lógicos do exterior, mantém ainda uma ligação com a natureza pelo que tarde ou cedo surgem Isomorphic Algorithms,ou ISOs no interior do sistema. Estes seres são uma nova espécie de programa que à imagem da vida na Terra há milhares de milhões de anos, surgem num ambiente propício aparentemente do nada (e portanto de tudo). Estes novos programas são únicos e diferentes entre si, não foram criados com algum propósito ou por algum criador, representam portanto um entrave ao mundo perfeito baseado nas lógicas racionalistas e da eficiência em que CLU acredita. Quora, a protegida de Flynn é o único ISO sobrevivente e guarda em si a essência da transformação da GRID/Rede em algo melhor. Neste duelo existem alusões claras a um ideal de sociedade (erradamente interpretadas) neste segundo filme, é utilizado o termo "purgas" várias vezes, CLU encarna o papel de um ditador na posse de um exército que lhe confere legitimidade e tal e tal, a sociedade é "dirigida" a partir de um posto (indivíduo) de controlo que centraliza o poder sobre todas as operações. Poderia desenvolver este raciocínio mas não para já. O velho programa Tron é agora encontrado docilizado na posição de soldado de CLU, a certa altura este apercebe-se que foi criado com o propósito de defender os utilizadores do MCP e urge então fazer o mesmo em relação ao CLU, ajudando Flynn & Flynn a escaparem daquele universo. Num momento final, Flynn pai sacrifica-se salvando o filho e Quora enquanto aniquila as luzes amarelas e vermelhas das redondezas (incluindo CLU) que no filme simbolizam a maldade em contraste com o Azul Turquesa.

Certo é que pregando desde 1982 a ruptura com lógicas racionalistas perigosas no mundo real, a saga TRON assume um significado para mim, muito além de um mero filme de ficção e deslumbramento visual, que é numa grossa crosta essencialmente do que se trata. Não querendo ser demasiado óbvio, encontro na realidade essas lógicas personificadas por um sistema económico predador e que em analogia ao filme, reduz toda a diversidade de uma sociedade à função que os indivíduos possuem na manutenção do sistema. É para mim do que trata, um fôlego de libertação.

domingo, 21 de novembro de 2010

o verdadeiro perigo

dei por mim a pensar sobre quais seriam os grandes problemas da vila onde vivo..

fácil, pensariam! mas a realidade é mais complexa, mais oculta, muito obscura
por entre o senso comum, a falta de bom senso e os desejos oníricos julgo ter descoberto o que faz do meu pátio um lugar terrível, frio, cinzento, lamaçento e silencioso
Não é o Inverno ou coisa parecida, são os casais com filhos, é o instinto animalesco de protecção que come a pouca vida que o espaço liberta, absorvem-na, dissecam-na e eu vejo.
os afectos destroem a ordem, a natureza e a universalidade

é por isso que não sei se desgosto deles

sábado, 14 de agosto de 2010

sinto-me um outsider

por várias vezes sou sujeito a tentativas de definição tanto minhas como de outras pessoas, em relação à minha individualidade
poderia dizer-se que sou gay por uma atracção que detenho, a atracção por homens.
Para muitos a minha individualidade estava já definida, afinal "nós" somos um grupo homogéneo..
quando confrontados com o meu vegetarianismo, muitos consideram que é um argumento corroborador da definição em questão, mas quando falo em ficção científica as sinápses começam a sobreaquecer, adiciono o software open-source e é mais fácil rotular-me como nerd, mas os nerds deviam gostar de computadores e ciência, e eu gostando de homens terei de ser necessariamente um geek virado. Que seja! Mas não tenho muita gente com quem me identifique, aliás, às vezes dou por mim com dificuldades de sociabilidade, o que põe em causa o meu estatuto de geek (nerd que socializa) acho que estou num limbo de personalidade, meio indefinível, meio incompatível, só me falta ouvir Sia e começar a colar mais em moda para passar a ser coisa alguma

segunda-feira, 12 de julho de 2010

suicídios e pseudo-moralidade

É fundamental para uma ponderada tomada decisão, que o seu exercício decorra em circunstâncias de plena liberdade de raciocínio, desprovida dos mais diversos preceitos de índole religiosa ou para-moral, pois só assim a virtude humana se revela naquilo que se reconhece como sendo o seu carácter ponderador e racional.

Remeto agora especificamente para o âmbito do suicídio, fenómeno de ferocidade reconhecida em todos os quadrantes da sociedade e para os quais, as mais perversas e conspurcadas bocas despejam ignomínias imundas, cobardes e ociosas. É de extraordinária importância compreender que tal fenómeno ocorre fruto do propósito e sucesso daqueles que convictos da razão dos seus pensamentos, descrevem com particular convicção e persuasão as fronteiras do certo e do errado tal verdade indubitável e de carácter universal. Deste modo, compreendemos que antes de mais, o escárnio encontra-se em jeito de benesse para os "legisladores morais" como meio de servir o seu propósito instrutivo com recurso a estes agentes pouco reflexivos e ainda menos compassivos, já que só estes seres desprovidos de cuidado em função do mal alheio seriam capazes de por seu turno, julgar e maldizer os propósitos que levariam a vítima a auto-suprimir-se antes desta o ter feito. Assim sendo, sujeita aos mesmos julgamentos, mas com os observados prejuízos para a pobre alma, ela esquiva-se da mesquinhez do social e das suas insinuações de uma forma eficaz. Este desejo de eficácia parece representar uma afirmação do suicidado em relação ao poder que este ainda detém sobre o decurso dos factos, desejo este que pode aprisionar mesmo o espírito mais férreo e vivaz sob fatais e propícias condições.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

cometi aquela asneira

Sinto necessidade de expressar os meus sentidos (exteriorizá-los verbalmente) despido de condicionantes racionais, não me recordo de o ter feito anteriormente , mas se o fiz, este é o presságio do seu não fracasso.
Estou perdido,, acho que é bom estar perdido, mas, sinto que estou perdido há já demasiado tempo e não sei de que forma possa ser como convém.., perdido, sem norte, com muitos nortes à volta, e à volta para cima, e para baixo, e pra dentro e para... e para dentro, e por dentro.
estarei eu perdido? oh claro que estou, tenho de estar! O mundo está perdido, está sem norte, e eu estou no mundo, por isso estou sem norte. mas.. tenho mais um bocadinho de menos perdidão que ele, talvez o possa ajudar, afinal sei um bocadinho mais que o mundo todo
- e porque não puxá-lo para onde quero, para onde eu não conheço e usando-o como escudo e ficar mais enganadamente poderoso?
- e porque não atirá-lo para onde eu conheço? e que sei que é mau, ou pelo menos parece-me mau por fora.... e por dentro. também sei que me tornaria mau e dessa forma deixava de contrastar com a maldade que atravesso todos os dias a caminho de fora de mim, passaria a sentir-me bem, mas não seria bom, mas não seria nem bem nem bom, nem mudaria nada e apenas perpetuava tudo. E para manter as coisas más no planeta prefiro eu prefiro deitar a minha vida fora e ficar comigo e comer e cantar, e dormir e sonhar e amar comigo, tudo comigo e com quem mais se quiser juntar a ser eu e quem mais me quiser fazer seu adaptando-se primeiramente a mim, e quem mais quiser fazer parte dos que não fazem parte do mundo dos outros.
Depois posso ser mau para eles todos e não sentir prazer com isso, o mesmo prazer que o mal tem em manter-se mal. Assim sendo, sería melhor e podia ser ainda mais mau que mau e que o mal, e que o mal mau e que o mal-feito, sentindo-me mais mal com isso, o que seria melhor que sentir o bem que o mal sente, e aí, deixaria de ser bom, mas sentir-me-ía bom tornando-me mau dessa forma

segunda-feira, 10 de maio de 2010

é o meu mundo

no mundo dos contrários e dos armários eu tenho de me esconder e faço-o, não me sabendo de todo.. e apesar de saber que por mais que saiba, esse saber tem valor, e mesmo que não saiba tanto quanto os que sabem menos, sei ou imagino, que sei, que se souber mais, esse saber terá ainda mais valor que saber apenas muito e o bastante, e um pouco menos que quase tudo, e ainda assim menos que pouco, que saber pouco
ao contrário do contrário e ainda assim não de forma certa